segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A obra de Deus é crer naquele que ele enviou


Cristo é o objeto específico e primário do crer segundo João. «Crer», sem outra especificação, significa já crer em Cristo. Pode também significar crer em Deus, mas enquanto é o Deus que mandou seu Filho ao mundo. Jesus se volta a pessoas que crêem já no verdadeiro Deus; toda a insistência sobre a fé traz já esta coisa nova, que é a sua vinda no mundo, o seu falar em nome de Deus. Em uma palavra, o seu ser o Filho unigênito de Deus, «uma coisa só com o Pai». 

João fez da divindade de Cristo e de sua filiação divina o objeto primário de seu evangelho, o tema que tudo unifica. Ele conclui seu Evangelho dizendo: «Estes [sinais] foram escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome» (Jo 20, 31), e conclui sua Primeira carta quase com as mesmas palavras: «Isto vos escrevo para saberdes que tendes a vida eterna, vós que credes no nome do Filho de Deus» (1 Jo 5, 13). 

Uma rápida passada pelo Quarto evangelho mostra como a fé na origem divina de Cristo constitui, por sua vez, seu tear e trama. Crer naquele que o Pai enviou é visto como «obra de Deus», o que agrada a Deus, absolutamente (cf. Jo 6, 29). Não crer é visto, consequentemente, como «o pecado» por excelência: «O consolador – foi dito – convencerá o mundo quanto ao pecado», e o pecado é não haver acreditado nele (Jo 16, 8-9). Jesus pede para si o mesmo tipo de fé que se pedia para Deus no Antigo Testamento: «Credes em Deus, crede também em mim» (Jo 14, 1). 

Também depois de sua partida, a fé nele restará como grande separador de águas no seio da humanidade: de um lado estarão aqueles que, sem haver visto, crerão (cf. Jo 20,29), e do outro lado estará o mundo que rejeitará crer. Diante desta distinção, todas as outras, conhecidas primeiramente, incluída aquela entre judeus e gentios, passam a um segundo plano. 

Há que se permanecer estupefato diante da empreitada que o Espírito de Jesus permitiu a João levar a termo. Ele abraçou os temas, os símbolos, as expectativas, tudo isto que havia de religiosamente vivo, seja no mundo judaico como no helenístico, fazendo servir tudo isto a uma única ideia, ou melhor, a uma única pessoa: Jesus Cristo Filho de Deus, salvador do mundo. 

Ao ler os livros de certos estudiosos, dependentes da «Escola de história comparada das religiões», o mistério cristão apresentado por João não se distingue senão em coisas de pouca importância do mito religioso gnóstico e mandeu, ou da filosofia religiosa helenística e hermética. Os limites se perdem, os paralelismos se multiplicam. A fé cristã converte-se em uma das variantes desta mitologia variada e desta religiosidade difusa. 

Mas o que significa isto? Significa somente que se prescinde da coisa essencial: da vida e da força histórica que está por detrás dos sistemas e das representações. As pessoas vivas são diversas umas das outras, mas os esqueletos se assemelham todos. Uma vez reduzido a esqueleto, isolado da vida que produziu, isto é, da Igreja e dos santos, a mensagem cristã corre o risco de sempre se confundir com outras propostas religiosas, enquanto isso é «inconfundível». 

João não nos deixou um conjunto de doutrinas religiosas antigas, mas um potente kerygma. Aprendeu a língua dos homens de seu tempo, para gritar nela, com todas suas forças, a única verdade que salva, a Palavra por excelência, «o Verbo». 

Uma empreitada como esta não se realiza no escritório. A síntese joanina da fé em Cristo é colocada “no foco”, sob o influxo daquela unção do Espírito Santo que ensina toda coisa», da qual ele mesmo, certamente por experiência pessoal, fala na Primeira Carta (cf. 1 Jo 2, 20.27). Justamente por causa desta sua origem, o Evangelho de João, também hoje, não se compreende estudando em um escritório, com quatro ou cinco dicionários abertos em frente para consultar. 

Só uma certeza revelada, que tem dentro de si a autoridade e a própria força de Deus, pode desdobrar-se em um livro com tal insistência e coerência, chegando, de milhares de pontos diversos, sempre à mesma conclusão: Jesus de Nazaré é o Filho de Deus e o salvador do mundo. 

Fonte: Frei Raniero Catalamessa - See more at: http://www.comshalom.org/formacao/exibir.php?form_id=2816#sthash.EkH82Mjv.dpuf

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